Este encadernado, reunindo uma das mais aclamadas sagas produzidas na década de 1970, se destaca por resgatar uma fase dos quadrinhos do Batman na qual era notável a influência da Marvel na rival DC Comics.
O roteirista Steve Englehart fora contratado justamente com o propósito de levar a sensibilidade mais moderna e humana ao "universo original", revitalizando a revista da Liga da Justiça. Ele pretendia largar o mundo dos quadrinhos não muito depois, e para o seu canto do cisne decidiu escrever também a série do Cavaleiro das Trevas.
Acompanhado do ilustrador Marshall Rogers, Englehart introduziu um novo interesse amoroso para Bruce Wayne, imprimiu sua visão pessoal a vilões consagrados e presenteou o público com histórias memoráveis, que ainda hoje inspiram novos autores e são consideradas definitivas. Completam a edição duas aventuras assinadas por Len Wein, que dão prosseguimento aos eventos anteriores e enfocam o drama do Cara-de-Barro.
Naquela época, Batman já havia abandonado o tom mais camp e divertido da Era de Prata e do seriado televisivo estrelado por Adam West, mas ainda não tinha assumido os contornos de vigilante psicótico característicos da obra de Frank Miller.
O Homem-Morcego era, sim, uma criatura da noite, implacável e eficiente, e até uma alma torturada, porém muito mais amigável e elegante que as versões mais populares do herói nas últimas décadas. Essa caracterização diferenciada se faz notar na relação entre o herói e seu fiel mordomo Alfred, o parceiro Robin e o comissário de polícia James Gordon.
Robin era o original, Dick Grayson, já maduro e liderando a Turma Titã, mas ainda dedicando tempo para ajudar seu mentor. O clima entre a dupla é de pura amizade e companheirismo, mostrando que Batman não precisa ser sempre solitário para soar interessante. E é nesse ponto que surge um dos elementos mais interessantes do texto de Englehart.
O roteirista insere no universo do Cavaleiro das Trevas a figura de Silver St. Cloud, enigmática mulher de cabelos prateados que não tarda a conquistar o coração do vigilante. Fica mais evidente, então, o novo rumo dessas aventuras, com influências e abordagens inéditas.
Bruce Wayne passa a questionar o valor de sua identidade heroica, revoltando-se até mesmo com seus falecidos pais. Mas como não se trata de telenovelas, não faltam vilões em Strange Apparitions, a começar pelo diabólico Hugo Strange, que descobre a identidade secreta de Batman e decide vender o segredo ao submundo pela melhor oferta.
A equipe criativa constrói uma Gotham City que ganha vida em meio a políticos corruptos, eventos sociais e instituições falidas, num trabalho primoroso. A história The Laughing Fish, em que o Coringa envenena peixes com seu gás do riso, é uma pequena obra-prima. Não é para menos que essa fase influencia criadores modernos como Grant Morrison e Kevin Smith, além de ter rendido adaptações para a série animada de Batman e ecoado nas produções cinematográficas dirigidas por Christopher Nolan.
Figura sombria por natureza, a criação máxima de Bob Kane se estabeleceu no imaginário coletivo como um homem antissocial em busca de vingança, cuja única força-motriz é caçar criminosos. Contudo, boas histórias surgiram ao longo dos tempos apresentando um Batman mais humano, envolvendo-se afetivamente e sofrendo por amor.
É uma visão diferente, mas igualmente válida, desde que bem executada. E não fica melhor do que se pode ler em Batman - Strange Apparitions. Marshall Rogers, desenhista que não apresenta trabalhos com muita frequência, possui um senso de design único e rivaliza com o festejado Neal Adams. Outro papa da arte sequencial, o não menos talentoso Walt Simonson, também contribui com três HQs curtas, que podem não estar entre as melhores de sua carreira, mas ainda impressionam.
As aventuras aqui reunidas já foram publicadas no Brasil, tempos atrás, na saudosa revista em formatinho Superamigos, e bem que merecem uma republicação à altura. Pra não deixar dúvidas, é leitura essencial para todo fã do Cavaleiro das Travas que se preze.
Nenhum comentário:
Postar um comentário