sexta-feira, 16 de março de 2012

THE KINGDOM...

Publicada em 1996, a minissérie Reino do Amanhã, concebida pelo roteirista Mark Waid e o pintor hiper-realista Alex Ross, tomou de assalto a indústria com quadrinhos com sua visão sombria sobre um possível futuro do Universo DC, uma nova geração de heróis mais violentos e descuidados, e o retorno triunfal do Superman e da Liga da Justiça.

A obra funcionou perfeitamente como reflexo de uma época marcada por anti-heróis rancorosos e sem apreço pela vida humana, confrontando-os com o ideal heroico mais tradicional. E logo foi considerada um clássico do gênero, e começaram os planos para uma continuação ou prelúdio.

De início, estava estabelecido que a dupla de criadores originais trabalharia elementos de Reino do Amanhã numa série mensal distinta, mas esses planos foram abandonados com o afastamento de Ross, por divergências criativas.

Dessa forma, Mark Waid encabeçou sozinho o evento The Kingdom, que contou com uma minissérie em duas edições, mas seis especiais interligados. O projeto acabou desagradando boa parte dos leitores da obra original, e seus conceitos foram esquecidos. Ainda assim, mesmo que o conjunto final tenha decepcionado, Waid escreveu aqui algumas excelentes histórias.

A trama abre com a introdução do ministro William, sobrevivente da destruição do Kansas na minissérie original, que fundou a igreja do Superman e acredita que a tragédia foi uma espécie de teste para sua fé.

Quando o próprio Homem de Aço assume a culpa pelo desastre, William enlouquece e decide destruir seu antigo ídolo, recebendo para isso poderes do Mago Shazam, Ganthet, Pai Celestial, Zeus e Vingador Fantasma, conhecidos juntos como Quintessência.

Logo de cara, percebe-se uma mudança drástica no tom da série, fato que pode ter afastado muitos fãs. Essa tendência prossegue no capítulo seguinte, quando William, já na forma de Gog, começa a assassinar o kryptoniano retroativamente, sempre voltando no tempo um dia para a versão seguinte.

As muitas mortes do Superman são bem criativas, e as imagens impressionam. No além-vida, os espíritos diversos do herói morto assistem à situação através do tempo, sem nada poder fazer. Até que Gog realiza um ataque durante o nascimento do filho de Clark Kent com a Mulher-Maravilha, raptando o recém-nascido e obrigando o casal, ao lado de Batman, a segui-lo no fluxo temporal.

E é nas histórias paralelas com personagens distintos que The Kingdom brilha mais.

Acompanhando a saga principal, foram publicados os especiais Son of The Bat, com o filho de Bruce Wayne e Tália, Nightstar, sobre a filha de Asa Noturna e Estelar, Offspring, o filho do Homem-Borracha, Kid-Flash, estrelando a filha de Wally West, e finalmente Planet Krypton, apresentando o restaurante temático cujo proprietário é o Gladiador Dourado.

Nessas histórias, o roteirista Mark Waid e artistas de talento evidente apresentaram um trabalho de fôlego, carregado de emoção e que se destacou por tratar de relacionamentos entre pais e filhos com os heróis introduzidos em Reino do Amanhã.

Com a realidade ameaçada, a nova geração de super-heróis aproveita para repensar suas vidas e decidir seus momentos finais. Vale ressaltar a figura de Ibn Al Xu'Ffasch, o filho do Batman, que, na época, não fazia mais parte da cronologia oficial da DC, e posteriormente foi reapresentado na forma de Damien Wayne, por Grant Morrison.

O especial Offspring, ilustrado por Frank Quitely, sobressai pela bela arte e interpretação pungente da personalidade do herói, dividido entre a herança do humor do Homem-Borracha e as aspirações de sua namorada de infância, com um desfecho tocante.

Mas o melhor da leva foi Planet Krypton, com arte de Barry Kitson, que, em meio a aparições de versões alternativas dos heróis da editora, apresenta o drama pessoal de uma garçonete que lamenta escolhas prévias e suas consequências.

A grande surpresa do evento The Kingdom foi a introdução do conceito de Hipertempo, uma espécie de novo Multiverso DC abrangendo todas as realidades já imaginadas. Os roteiristas Mark Waid e Grant Morrison tinham grandes planos para ele, os quais culminariam na saga Hiper-Crise, jamais realizada.

Além do uso em séries como Flash e Novos Titãs, o Hipertempo logo acabou esquecido pela editora, e foi substituído por mais um multiverso ao término da saga 52.

Esta série também pecou pela escolha de Mike Zeck como ilustrador do último capítulo, pois ele estava nitidamente deslocado ao apresentar os maiores heróis do planeta.

Alex Ross, enfim, teve a chance de apresentar sua visão pessoal para uma sequência de Reino do Amanha anos depois, em parceria com o roteirista Geoff Johns, nas páginas da Sociedade da Justiça. Eles ignoraram o trabalho de Waid, estabelecendo a história numa das 52 Terras no novo Multiverso.

Leitores brasileiros tiveram a oportunidade de acompanhar apenas a trama central de The Kingdom em Superman # 7, da linha Premium Abril (e vale conferir o review assinado por Samir Naliato), já que a editora resolveu ignorar os especiais paralelos, justamente o melhor da saga, num equívoco injustificável.

The Kingdom esteve longe de repetir o impacto da obra que a inspirou e hoje mal é lembrado, mas ainda encanta por sua abordagem franca e intimista dos herdeiros de super-heróis tão populares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário